Há algum tempo atrás recebi um e-mail com o seguinte título: “Uma boa pergunta!”, que mostrava grandes personalidades negras do mundo, detalhe: nenhuma era brasileira, e no final do e-mail questionava a necessidade das cotas étnicas no Brasil, já que tantos negros como Obama e Oprah conseguiram se dar bem por que ter cotas? Será mesmo que é uma boa pergunta? Será mesmo que é tão difícil de compreender a necessidade de ações afirmativas nas universidades para tentarmos amenizar as desigualdades sociais?
Quantos dos negros mostrados no e-mail são brasileiros? Nenhum...
De qualquer forma, independente da nacionalidade, os negros ainda sofrem muito preconceito e discriminação.
É lógico que nós, "jafetitas", dominados pelas representações eurocêntricas, ainda somos muitas vezes vítimas de uma falsa noção de inclusão social. E é disso que se tratam as cotas! Não é uma simples limpeza de consciência ou então o pagamento de uma dívida, mas sim a responsabilidade do Estado em possibilitar o desenvolvimento da sociedade brasileira. Ninguém está acusando os afro-brasileiros de saberem menos, mas sim acusando a falta de estrutura que nosso país apresenta, em especial, na área de Educação que ainda é muito falha e oportunizando sim(!) o desnivelamento étnico e de classes.
Todos sabem que o ensino superior brasileiro ainda se caracteriza por pertencer à elite, tanto na cúpula administrativa das universidades, quanto nas salas de aula, por isso é muito importante que possamos debater a democratização do acesso e defender que cada vez mais estudantes possam entrar no ensino superior.
O negro, que teve seu desenvolvimento contido por centenas de anos, ainda é estigmatizado por nossa sociedade neoliberal e capitalista. Precisamos derrotar as barreiras da estupidez humana e acabar com a hipocrisia do "Brasil multicultural".
No e-mail apresentado foram mostrados alguns dos negros que se destacaram no mundo, mas e o resto? O homem mais rico do mundo é negro? O continente mais rico do mundo é negro? É fácil se utilizar alguns dados distorcidos para tentar impor a vontade da elite conservadora e racista brasileira!
Agora alguns dados:
1 - Do total dos universitários brasileiros, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais.
2 - Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros.
3 - Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros.
4 - Segundo dados do MEC, o Brasil está em segundo lugar no que diz respeito a grandes populações afro-descendentes, perdendo apenas para a Nigéria.
Levando em consideração que METADE da população brasileira é negra, esses dados mostram como até hoje a abolição não se completou. Além disso, no Brasil foi necessária uma lei (a 11645/08, que reelaborou a 10639/03) para incluir os estudos africanos, afro-brasileiros e indígenas nas instituições de ensino brasileiras, e mesmo assim muitas escolas burlam a lei apresentando falsos relatórios de atividades. Poucas pessoas conhecem, mas há centenas de comunidades quilombolas que ainda não foram reconhecidas no Brasil, diversas delas estão sofrendo imensas batalhas, até mesmo com mortes, para a conquista da terra que as pertence. No Brasil só são propagadas as religiões cristãs, todas as religiões de matriz africana são vistas de modo negativo, especialmente aqui no Sul, fazendo com que não saibamos apreciar a rica cultura que é mantida nessas religiões.
É necessário que compreendamos que a escravidão do negro ainda não acabou em nosso país... Quando na abolição da escravatura, ao invés de educação ou terras, as famílias negras foram simplesmente despejadas nas ruas, aqueles que haviam construído absolutamente tudo no Brasil em quase 400 anos de exploração foram mandados embora sem receber nada, despejados nas ruas sem dinheiro, sem ter para onde ir, onde morar, o que comer, após séculos de escravidão e injustiças. Para trabalhar no seu lugar como assalariados foram trazidos milhares de trabalhadores brancos da Europa, que receberam apoio, ações afirmativas do Estado, e aos negros sempre foi negado, nesses quase 122 anos após aquela data, a igualdade de oportunidades. Por trás de execráveis rótulos racistas como os que falam em "Boa Aparência" (como se apenas pessoas brancas a possuíssem) os negros continuam sendo discriminados até hoje no mundo do trabalho e em todas as áreas.
O acesso a um ensino superior de qualidade é de extrema importância para o desenvolvimento de uma nação, porém, enquanto continuarmos com o dualismo de nossa educação e com a exclusão social jamais alcançaremos o progresso.
Nos últimos meses, Brasília está tendo um intenso debate pela aprovação da PL 5175, fazendo com que fiquemos cada vez mais perto de conquistarmos uma universidade mais democrática e de maior qualidade. A PL, que diz respeito ao projeto da Reforma Universitária prevê, dentre outros, a obrigatoriedade de cotas sociais e etnicas.
E ainda tem gente que diz que cota é preconceito...
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